Artigo: Os temores do campo
1 de setembro de 2020
Por Jo?o Martins da Silva Junior, presidente da Confedera??o da Agricultura e Pecu?ria do Brasil (CNA)
O ano de 2015 se encerrou com as mesmas not?cias com que j? estamos ficando acostumados: a economia retraiu-se, a infla??o elevou-se, a ind?stria encolheu e o desemprego aumentou. Nesse cen?rio desalentador, s? a agropecu?ria seguiu crescendo, produzindo mais, exportando mais e gerando US$ 80 bilh?es de super?vit. Se as previs?es dos analistas econ?micos se confirmarem, 2016 repetir? a mesma hist?ria. Ser? poss?vel que, numa economia em crise generalizada, um setor isolado continue se expandindo sem ser afetado pelo ambiente ao seu redor?
Isso s? seria poss?vel se nosso setor de produ??o rural fosse uma esp?cie de enclave econ?mico, operando no territ?rio do Pa?s, mas com a produ??o voltada quase exclusivamente para os mercados externos. Exemplos dessa natureza podem ser encontrados em pa?ses produtores de petr?leo ou outros minerais, cujas cadeias produtivas t?m pouca integra??o com sua economia interna. O que se passa com a agricultura e a pecu?ria do Brasil ? muito diferente.
Apesar de sermos hoje um dos tr?s maiores fornecedores de alimentos para o mundo, com presen?a dominante numa lista de mercados que inclui a soja, caf?, suco de laranja, carnes bovina, su?na e de frango, a??car, algod?o, tabaco, al?m de investidas promissoras em mercados como os de milho, frutas e l?cteos, a verdade ? que a produ??o rural brasileira ? predominantemente voltada para o mercado interno.
Al?m disso, nossa estrutura de produ??o ? altamente diversificada, produzindo centenas de produtos exclusivamente para o consumo nacional. A produ??o rural brasileira n?o ? um enclave exportador, mas surgiu e cresceu para atender ao mercado interno e gra?as ? sua produtividade e a seus custos competitivos exportou excedentes e conquistou os mercados mundiais.
Para que a agricultura e a pecu?ria do Brasil possam seguir crescendo ? absolutamente necess?rio que o Pa?s supere a crise que est? vivendo. Caso contr?rio, o setor tamb?m ser? arrastado para as dificuldades que hoje atingem t?o duramente a ind?stria e o setor de servi?os. Se o desemprego e o decl?nio da renda familiar se mantiverem por mais tempo, o resultado natural ser? a contra??o do mercado interno, com press?o sobre os pre?os, em atividades cujas margens de lucro j? s?o muito estreitas na maioria dos casos.
A maior parte dos produtos da nossa agricultura ? destinada exclusivamente ao mercado dom?stico e n?o poder? compensar a retra??o das vendas externas com a exporta??o. Quanto aos outros produtos com tradi??o exportadora, o aumento dos saldos export?veis poder? pressionar ainda mais os pre?os externos, que j? est?o em trajet?ria declinante faz algum tempo. Um poss?vel colapso de algumas atividades produtivas atingir? especialmente os produtores mais vulner?veis, desorganizando estruturas produtivas longamente constru?das, com inevit?veis reflexos sociais. Como ? uma atividade sazonal, dependente do curso das esta??es, a agropecu?ria tem pouca capacidade de adapta??o aos ciclos econ?micos.
Se a crise brasileira nos atemoriza quanto ? demanda, a hist?ria n?o ? menos assustadora em rela??o ? oferta. A moderna agropecu?ria do Pa?s, que teve in?cio nos anos 70 do s?culo passado, ? um empreendimento essencialmente privado. O Estado teve sua parte, em especial na produ??o do conhecimento cient?fico e tecnol?gico, por meio da excel?ncia singular de nossas universidades rurais e da experi?ncia pioneira da Embrapa, bem como na montagem de um sistema eficiente de cr?dito rural.
Foi a iniciativa privada que transformou os campos do sul do Brasil e ocupou os vastos cerrados improdutivos que predominavam em grande parte de nosso territ?rio. Foi trabalho de pioneiros, portadores de experi?ncia profissional na produ??o e capazes de empreender e assumir riscos tremendos. Povoaram grandes vazios, sem os confortos das cidades e sem a menor infraestrutura, numa aventura pessoal que merece justo registro na Hist?ria moderna do Brasil.
A efici?ncia do setor privado excedeu, em muito, a compet?ncia do Estado brasileiro. Assim, os resultados de grande parte da produ??o s?o afetados pela car?ncia quase absoluta de infraestrutura. N?o temos rodovias, ferrovias, hidrovias ou portos para escoar a produ??o a custos minimamente razo?veis. Os custos log?sticos recaem sobre o produtor e o consumidor dom?stico. Por mais que os produtores aumentem sua produtividade, com pesados investimentos dentro das fazendas, seus lucros est?o cada vez menores e os pre?os aos consumidores s?o maiores do que poderiam ser. O Estado brasileiro encontra-se, h? muito, em situa??o quase falimentar e n?o tem sequer uma fra??o dos recursos necess?rios aos investimentos que precisam ser feitos.
Esta ? uma realidade que n?o podemos disfar?ar com a ret?rica f?til das ideologias pol?ticas. S? o setor privado pode construir e operar a infraestrutura que precisamos. Mas a incompet?ncia dos ?rg?os estatais, capturados pela baixa pol?tica, e a avers?o ideol?gica ao capitalismo e ao setor privado ou ret?m mais encargos do que ele pode suportar ou impedem que os processos de concess?o cheguem a termo. Enquanto os pre?os externos estavam anormalmente elevados, todas as defici?ncias puderam ser ignoradas. Agora que a realidade bate ? nossa porta, quem vai pagar o pre?o da imprevid?ncia? Mais uma vez, n?o ser? o Estado abstrato, mas os produtores e consumidores, gente de carne e osso.
At? agora, a produ??o rural tem sobrevivido ? crise geral do Estado e da economia brasileira. Infelizmente, nosso sentimento ? que esta crise vai afetar a agricultura e a pecu?ria, se durar mais tempo. A paisagem pol?tica, por?m, n?o nos deixa margem para muita esperan?a. O poder pol?tico, entre n?s, parece aspirar apenas ? sua pr?pria sobreviv?ncia, sem mais nenhum prop?sito de resolver os problemas verdadeiros do Pa?s e das pessoas. ? o que nos d? raz?o de sobra para temer pelo futuro.
Fonte: Estad?o
O ano de 2015 se encerrou com as mesmas not?cias com que j? estamos ficando acostumados: a economia retraiu-se, a infla??o elevou-se, a ind?stria encolheu e o desemprego aumentou. Nesse cen?rio desalentador, s? a agropecu?ria seguiu crescendo, produzindo mais, exportando mais e gerando US$ 80 bilh?es de super?vit. Se as previs?es dos analistas econ?micos se confirmarem, 2016 repetir? a mesma hist?ria. Ser? poss?vel que, numa economia em crise generalizada, um setor isolado continue se expandindo sem ser afetado pelo ambiente ao seu redor?
Isso s? seria poss?vel se nosso setor de produ??o rural fosse uma esp?cie de enclave econ?mico, operando no territ?rio do Pa?s, mas com a produ??o voltada quase exclusivamente para os mercados externos. Exemplos dessa natureza podem ser encontrados em pa?ses produtores de petr?leo ou outros minerais, cujas cadeias produtivas t?m pouca integra??o com sua economia interna. O que se passa com a agricultura e a pecu?ria do Brasil ? muito diferente.
Apesar de sermos hoje um dos tr?s maiores fornecedores de alimentos para o mundo, com presen?a dominante numa lista de mercados que inclui a soja, caf?, suco de laranja, carnes bovina, su?na e de frango, a??car, algod?o, tabaco, al?m de investidas promissoras em mercados como os de milho, frutas e l?cteos, a verdade ? que a produ??o rural brasileira ? predominantemente voltada para o mercado interno.
Al?m disso, nossa estrutura de produ??o ? altamente diversificada, produzindo centenas de produtos exclusivamente para o consumo nacional. A produ??o rural brasileira n?o ? um enclave exportador, mas surgiu e cresceu para atender ao mercado interno e gra?as ? sua produtividade e a seus custos competitivos exportou excedentes e conquistou os mercados mundiais.
Para que a agricultura e a pecu?ria do Brasil possam seguir crescendo ? absolutamente necess?rio que o Pa?s supere a crise que est? vivendo. Caso contr?rio, o setor tamb?m ser? arrastado para as dificuldades que hoje atingem t?o duramente a ind?stria e o setor de servi?os. Se o desemprego e o decl?nio da renda familiar se mantiverem por mais tempo, o resultado natural ser? a contra??o do mercado interno, com press?o sobre os pre?os, em atividades cujas margens de lucro j? s?o muito estreitas na maioria dos casos.
A maior parte dos produtos da nossa agricultura ? destinada exclusivamente ao mercado dom?stico e n?o poder? compensar a retra??o das vendas externas com a exporta??o. Quanto aos outros produtos com tradi??o exportadora, o aumento dos saldos export?veis poder? pressionar ainda mais os pre?os externos, que j? est?o em trajet?ria declinante faz algum tempo. Um poss?vel colapso de algumas atividades produtivas atingir? especialmente os produtores mais vulner?veis, desorganizando estruturas produtivas longamente constru?das, com inevit?veis reflexos sociais. Como ? uma atividade sazonal, dependente do curso das esta??es, a agropecu?ria tem pouca capacidade de adapta??o aos ciclos econ?micos.
Se a crise brasileira nos atemoriza quanto ? demanda, a hist?ria n?o ? menos assustadora em rela??o ? oferta. A moderna agropecu?ria do Pa?s, que teve in?cio nos anos 70 do s?culo passado, ? um empreendimento essencialmente privado. O Estado teve sua parte, em especial na produ??o do conhecimento cient?fico e tecnol?gico, por meio da excel?ncia singular de nossas universidades rurais e da experi?ncia pioneira da Embrapa, bem como na montagem de um sistema eficiente de cr?dito rural.
Foi a iniciativa privada que transformou os campos do sul do Brasil e ocupou os vastos cerrados improdutivos que predominavam em grande parte de nosso territ?rio. Foi trabalho de pioneiros, portadores de experi?ncia profissional na produ??o e capazes de empreender e assumir riscos tremendos. Povoaram grandes vazios, sem os confortos das cidades e sem a menor infraestrutura, numa aventura pessoal que merece justo registro na Hist?ria moderna do Brasil.
A efici?ncia do setor privado excedeu, em muito, a compet?ncia do Estado brasileiro. Assim, os resultados de grande parte da produ??o s?o afetados pela car?ncia quase absoluta de infraestrutura. N?o temos rodovias, ferrovias, hidrovias ou portos para escoar a produ??o a custos minimamente razo?veis. Os custos log?sticos recaem sobre o produtor e o consumidor dom?stico. Por mais que os produtores aumentem sua produtividade, com pesados investimentos dentro das fazendas, seus lucros est?o cada vez menores e os pre?os aos consumidores s?o maiores do que poderiam ser. O Estado brasileiro encontra-se, h? muito, em situa??o quase falimentar e n?o tem sequer uma fra??o dos recursos necess?rios aos investimentos que precisam ser feitos.
Esta ? uma realidade que n?o podemos disfar?ar com a ret?rica f?til das ideologias pol?ticas. S? o setor privado pode construir e operar a infraestrutura que precisamos. Mas a incompet?ncia dos ?rg?os estatais, capturados pela baixa pol?tica, e a avers?o ideol?gica ao capitalismo e ao setor privado ou ret?m mais encargos do que ele pode suportar ou impedem que os processos de concess?o cheguem a termo. Enquanto os pre?os externos estavam anormalmente elevados, todas as defici?ncias puderam ser ignoradas. Agora que a realidade bate ? nossa porta, quem vai pagar o pre?o da imprevid?ncia? Mais uma vez, n?o ser? o Estado abstrato, mas os produtores e consumidores, gente de carne e osso.
At? agora, a produ??o rural tem sobrevivido ? crise geral do Estado e da economia brasileira. Infelizmente, nosso sentimento ? que esta crise vai afetar a agricultura e a pecu?ria, se durar mais tempo. A paisagem pol?tica, por?m, n?o nos deixa margem para muita esperan?a. O poder pol?tico, entre n?s, parece aspirar apenas ? sua pr?pria sobreviv?ncia, sem mais nenhum prop?sito de resolver os problemas verdadeiros do Pa?s e das pessoas. ? o que nos d? raz?o de sobra para temer pelo futuro.
Fonte: Estad?o